Olá! Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo. Ao utilizar este site, você concorda com o uso de cookies.

Boa tarde, Sexta Feira 24 de Outubro de 2025

Menu

Memória e identidade

A lição de Sorriso com sua história e cultura

Política pública ancora preservação da memória e fomento da economia criativa

Geral | 24 de Outubro de 2025 as 10h 55min
Fonte: Jamerson Miléski

Foto: Divulgação

No Norte de Mato Grosso, formado por cidades jovens, que cresceram com a mesma pressa que buscaram a modernidade, a conservação da memória histórica escapou das prioridades. Acervos municipais, quando existem, passam mais tempo em um depósito do que em exposição. Sorriso é uma exceção a essa regra.

O município conhecido pela sua produção agrícola vem recentemente semeando outra cultura. Algo que não concorre nem de perto com as cifras da soja ou do milho, mas que tem um valor.

A ideia de ter um museu municipal chegou em Sorriso antes da energia elétrica. Lá em 1992 o município instituiu sua primeira lei voltada a conservação da memória histórica. E a legislação ficou lá, guardada. Por quase 30 anos o Museu de Sorriso nada mais era que algumas prateleiras emprestadas na Biblioteca Municipal. O padrão para a região.

A virada começa em 2020. Eugênio Destri, que é fotografo e chegou em Sorriso em 1983, pegou seu próprio acervo histórico e transformou em um livro. Dessa obra veio a ideia de montar painéis com as imagens gravadas pelas suas lentes, contando a história das primeiras famílias. O fotógrafo precisava de um lugar para expor esses painéis. Com ajuda da iniciativa privada, entusiastas e das famílias retratadas, Eugênio começou a construir essa galeria. Em 2021 recorreu a prefeitura, que encampou e ampliou a ideia.

O município aplicou cerca de R$ 1 milhão, recursos próprios. Com o dinheiro ergueu um prédio de 610 metros quadrados na Praça da Juventude, bem no centro de Sorriso. Imóvel bonito, amplo e de fácil acesso. Em agosto de 2022 a cidade inaugurou o espaço, batizando de Centro Histórico-Cultural Benjamin Raiser.

Dentro do Centro Histórico estavam os painéis derivados do livro de Eugênio… mas não apenas. O espaço que começou como um projeto de galeria agasalhou o crescente acervo histórico que se escondia na biblioteca municipal. Naquele “museu de gaveta”, estava trabalhando Maria Amélia de Souza Rossi, servidora da secretaria de Educação, mas com afeto por guardar memórias. Ela foi nomeada coordenadora do Centro Histórico e tratou de transferir o acervo municipal.

Vilma, Rosangela e Maria Amélia: equipe do Centro Histórico-Cultural

Não apenas ela. A professora municipal Vilma Tolentino e a turismóloga e artesã Rosangela Oliveira Vieira também estão na equipe do museu. Nos anos anteriores, ainda embaixo da secretaria de Educação, o acervo municipal recebeu uma série de doações. Todos esses itens foram catalogados e devidamente abrigados dentro do Centro Cultural. “A estrutura ganhou um propósito maior. Aos poucos os painéis da exposição fotográfica foram digitalizados. Eles continuam expostos dentro do Centro Cultural, mas de forma modernizada, com um painel digital. A maior parte do espaço é dedicado ao acervo histórico e as frequentes exposições realizadas”, explica Maria Amélia.

Frequentemente artistas locais são convidados a expor suas obras no museu de Sorriso. Além de propiciar uma vitrine à cultura sorrisiense, esse movimento torna o Centro constantemente atrativo. Pelo menos uma nova exposição é realizada por mês. “Nesses 3 anos de atividade registramos a presença de cerca de 45 mil pessoas visitando o Centro Histórico Cultural. Embora os alunos do município façam visitas periódicas, guiadas pelos professores, esse público é a minoria. É a população de forma geral, pessoas da cidade e de fora, que mais movimentam o museu”, aponta Maria Amélia.

Nesse mês de outubro, a equipe do Centro Histórico recebeu uma capacitação da equipe de gestão do Museu de Arte Sacra de Cuiabá. Essa é uma das ações que integram a construção do Plano Museológico de Sorriso – contratado pelo município para aprimorar e profissionalizar o museu local. “Mudanças importantes serão implementadas a partir desse plano. Esse planejamento deve ser concluído entre janeiro e fevereiro do ano que vem. É um trabalho complexo”, antecipa Vilma.

 

O que tem no Museu de Sorriso?

São mais de 1.000 peças no acervo histórico, que incluem fotografias e jornais dos diferentes períodos de Sorriso. Para além dos registros em papel, que funcionam como uma base documental para pesquisa, registro e desenvolvimento da memória histórica, há uma boa coleção daqueles itens considerados “bons de se olhar” – aquelas peças que chama a atenção do visitante cotidiano, que não está ali para se aprofundar na história, apenas para ter um primeiro contato.

Nesse sentido, o Museu de Sorriso tem um bom gabinete de curiosidades. Como é comum à maioria dos museus municipais, o de Sorriso também tem uma boa coleção de artigos, equipamentos, máquinas e ferramentas antigas, que remontam a colonização da região. Tecnologias que surgiram e decaíram nessas 4 décadas podem ser observadas – o que pode ser interessante para as novas gerações, mas de veras corriqueiro.

O interessante é que apesar de pequeno e jovem, o Museu de Sorriso tem em seu acervo itens atrativos e de relevância histórica. Um exemplo é a Carta emitida pelos Veteranos da FEB (Força Expedicionária Brasileira), a Emiliano Preima, engenheiro e um dos pioneiros de Sorriso. Emiliano recebeu essa carta da FEB junto com sua carteira de identidade. O ato de atenção desprendida pela Força foi porque seu pai, Nestor Preima, foi um dos militares que lutou na Segunda Guerra Mundial, integrando as tropas brasileiras deslocadas para Itália.

Sobre a história ainda mais antiga, o Museu de Sorriso expõe réplicas de fósseis famosos mundialmente como o Archaeopteryx transicional, originalmente exposto em Berlim. Mas também há fósseis reais, como os dois dentes de Mosassauro e um aglomerado de conchas marinhas em rocha calcária encontrado na região de Nobres (MT).

No campo “belas artes”, o Museu de Sorriso ostenta em uma de suas paredes duas telas enormes de Adir Sodré, pintor que figura entre os maiores artistas plásticos de Mato Grosso. Falecido no ano 2020, Sodré pintou essas duas telas no ano de 2017, na mesma praça onde agora está o Centro Histórico que as guarda.

O item mais icônico do Museu, pela sua relevância histórica, talvez seja o cocar Xavante usado pelo Papa João Paulo II. Quando o pontífice visitou Cuiabá, no ano de 1991, o cacique Xavante Aniceto presenteou o líder católico com o adorno. O artefato feito com penas de araras-azuis acabou ficando com o padre Gaspar Goldsmith, que na época era capelão do Exército na capital. Anos depois, Gaspar foi designado para ser pároco em Sorriso, o primeiro da cidade. Em 2019, o padre doou uma coleção de itens sacros para a secretaria de Educação, afim de fomentar o acervo histórico. Nesse lote estava o cocar. “Passou alguns anos esquecido, tratado como algo comum. O cocar Xavante do Papa João Paulo II chegou a ser usado como adereço pela equipe de teatro do município. Ele foi resgatado e hoje ocupa um lugar de destaque no museu”, conta Maria Amélia.

A mais recente exposição permanente do Centro Histórico Cultural é o Museu Virtual, implantado através de uma parceria com a Fator MT. O espaço traz um painel com 8 cenas pintadas pela Artista Vera Algayer, que retratam Sorriso em diferentes épocas. Abaixo de cada cena, um objeto correspondente àquela década está exposto. São itens que foram utilizados por alguém que viveu em Sorriso. No centro desse painel, um monitor apresenta o Museu Virtual, com a linha do tempo interativa. Nesse conteúdo virtual serão incluídas 100 biografias de pessoas, famílias, empresas e entidades que contribuíram com a construção da cidade ao longo das diferentes décadas. Essa coleção faz parte do projeto “Sorriso 40 Anos a História de Nossa Gente”.

 

“Cultura transforma”

A frase é da secretária de Cultura de Sorriso, Marisa dos Santos Netto, e é aplicada quase como um mantra que orienta a pasta. Partindo da premissa que a atividade cultural rearranja os pilares do indivíduo e da sociedade, a repartição trata de promover o setor considerando-o basal. “Sorriso nunca perde nenhum recurso oriundo da Cultura. Tudo é aplicado e destinado”, explica o secretário adjunto de Cultura, Francisco Ferreira Cordeiro. “Nem o juro do recurso a gente perde”, completou Marisa.

Francisco e Marisa: no comando da Secretaria de Cultura

No ano de 2023, o município implantou por lei o Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura). Essa política pública tem como objetivo incentivar e apoiar projetos e programas culturais na cidade. A secretaria elabora seu planejamento e busca a captação de recursos junto ao Governo Federal e Estadual – tudo atrelado a política nacional de cultura, como se fosse um “SUS”. Além do recurso de fora que é captado, parte do orçamento municipal é direcionado para o Promic. No ano de 2026, já previsto no orçamento estão R$ 960 mil. “O dinheiro é 100% destinado para projetos culturais locais. Vai para os artistas. Estabelecemos 10 câmaras temáticas com os diferentes eixos da arte e cultura, que orientam a forma como os recursos devem ser destinados. A partir disso a equipe da secretaria lança os editais e orientam os artistas locais para prepararem seus projetos. Os projetos são selecionados pelo Conselho de Cultura e os promotores culturais recebem o dinheiro para financiar seus trabalhos. As apresentações são feitas e depois eles prestam contas dos valores aplicados”, explica Francisco.

Nesse ciclo virtuoso em que o dinheiro público movimenta a economia local entregando arte e cultura para população, 183 projetos foram realizados em 2024. Destes, 94 financiados com recursos federais, que totalizaram R$ 760 mil. Via Promic foram R$ 600 mil, em 89 projetos. “Desde 2020 estamos preparando a classe artística para lidar com a burocracia da captação de recurso público da Cultura. Começamos com os projetos locais, derivados dos programas nacionais, depois com o programa local. Hoje a comunidade dos agentes culturais sabe fazer projetos, buscar dinheiro público e prestar contas depois”, enfatiza Francisco.

Ele cita como exemplo o caso de Fernando Salles, um cineasta local. No começo, Salles realizou suas primeiras produções audiovisuais com recursos públicos pequenos, captados através da secretaria municipal. No último ano Salles já tinha cancha suficiente para pleitear recursos junto ao Estado e conseguiu aprovar um projeto para um longa-metragem via Secretaria Estadual de Cultura. Salles, cineasta de Sorriso, conseguiu um financiamento de R$ 2 milhões para sua obra. “A cada edital lançado, novos artistas vão se apresentando e tendo sua atividade fomentada. É a cultura que transforma”, aponta Francisco.

Atualmente a secretaria conta com mais de 700 agentes culturais locais no seu cadastro.